11 – Carta para uma pessoa falecida com a qual gostavas de falar

11 – Carta para uma pessoa falecida com a qual gostavas de falar
Estão os dois juntos e escrevo para ambos. Apesar de não ter muito para vos dizer, e isto sim é o que me afecta. Ter poucas memórias, poucas conversas, poucas imagens.Tudo o que vêm de vocês é pouco.
Para ti, avô, cujo a única imagem que tenho, é estares em frente a uma cama de hospital, de pé, de mãos nos bolsos, a sorrir para mim, e a rir às gargalhadas, impressionante como mantinhas a alegria mesmo estando naquele sítio.
Impressionante como é mesmo a única memória que tenho tua, só me lembro disso, é a única " fotografia " em que consigo ver a tua cara, a tua figura. Nem me lembro de me dizerem que já não estavas cá, se calhar não me disseram, talvez não esperassem que sentisse a tua falta, e não senti, até tomar consciência de como o desconhecimento que tinha de ti me fazia confusão, e ainda hoje sei muito menos do que queria.
Sempre que falo de ti, sinto a dor nas palavras dos teus filhos, a dor da falta, a dor da saudade, a dor de ter a noção que não os viste crescer e tornarem-se adultos. Outros tempos, as mesmas dificuldades, mas coragem para outras decisões e outros rumos. Ainda foram muitos anos sem ter a noção do que era crescer sem um pai, mas sei que fizeste o que era melhor para todos.
Para ti, avó, que tenho os teus traços, e a tua cara está estampada no meu rosto.
Quando olham para mim, os mais antigos vêm-te a ti.
Ainda foram muitas horas a fazer-te companhia enquanto me observavas a brincar no chão de tua casa.
Ainda me consegui rir muito contigo e perceber como o teu coração eram maior que o mundo, e que as tuas histórias nem na tua cabeça cabiam.
Sempre sentada no teu banquinho de madeira gasta, com aquela tua figura fraquinha e cabelo quebradiço e esbranquiçado. Admiro-te por saberes criar duas crianças, dois adolescentes e dois adultos, sozinha. Garanto-te que fizeste um bom trabalho.
Garanto-vos que fizeram o melhor, os dois, afastados mas sempre juntos.

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